quarta-feira, 20 de junho de 2012

"Vespertínia"

"As horas banharam com nova vida a clara imagem... mas com elas veio a noite, que
turvou as cores e espalhou sombra sob seu corpo sem estrelas" - Equidistantes (Leonardo Baldez)

***

 Estava lendo agora os esboços da minha primeira e única tentativa de escrever um romance... - que não tem nada a ver com a citação acima - Era uma história fantasiosa deslocada para um tempo indefinido de reis e castelos, em que figuravam como personagens váaaaarios amigos, conhecidos e pessoas que fizeram parte da minha história até então. Uma aventura super clichê, despretensiosa, mas cheia de boas intenções literárias... não vou postar ela toda aqui até por que nunca passou de um rascunho com 5 capítulos de idéias não elaboradas... mas vai só um pedacinho pra ilustrar.
_Ilustrar?
_Hmmm... de certo modo. Esse blog está abandonado há 2 anos, então nada que se escreva aqui vai ter alguma repercussão. É só um teste pra ver se eu engreno e volto a postar alguma coisa com alguma regularidade razoavelmente aceitável. Blogs são, de fato, uma ótima via de escape, organizadora de pensamentos e, de certo modo, permitem um afastamento mental da realidade pra arejar a cabeça. Pois é esta a intenção desse blog: servir como parênteses à rotina e ar fresco para a mente.

******** Até onde lembro, ainda inédito...



Durante os dias de lua crescente Lago Brumal estava fria e sob mais névoa que de costume. O porto, no entanto, continuava cheio, com barcos chegando carregados à noite e trabalho de sobra para quem estivesse disposto a carregar muito peso nas costas. Era nos dias frios que os cardumes chegavam mais perto da praia, vindo buscar o calor da corrente quente que se estendia ao longo da faixa litorânea da cidade. Muitos estavam excitados com a passagem do cometa, alguns até atribuíam a fartura de peixes à boa sorte trazida pelo Únius, porém poucos pareciam dispostos a largar o trabalho para festejar a sua passagem, mesmo porque a névoa dificilmente os permitiria apreciar o fenômeno.
Mas não apenas de trabalho viviam os brumais. Naqueles dias de fartura os dois teatros da cidade ficavam lotados de gente à procura de distração e diversão. No teatro da Companhia das Rosas, eram encenadas tragédias e dramas românticos; do outro lado da praça central, no teatro da Companhia do Trevo, ficava o palco quase infame das comédias e sátiras. Os atores da Rosas eram adorados pelo povo e admirados pelos nobres brumais; os atores do Trevo eram freqüentemente ofendidos na rua por uma ou outra crítica mal recebida pelo público à realeza tão admirada, o que, contudo, não impedia que este teatro lotasse mais freqüentemente que o da companhia rival. 
_ Quem és tu, ó bela donzela? Serias um anjo que entrou pela janela? – diz Vítor, com uma mesura.
_ Me chamo Thaís, jovem poeta. E tu, quem és? – diz a atriz vestida de princesa.
_ Meu nome é Júlio, herdeiro de Longinesse. É um belíssimo reino, você conhece?
_ Mas é claro! É aquele reino que nos recusou ajuda durante a guerra! – Ela dá as costas para o jovem com os braços cruzados.
_ Meu pai estava muito confiante em vossa vitória triunfante. Vespertínia tem um exército capaz, mas nosso reino é de paz...
_ Mentira! O que seu pai queria era ver nosso exército enfraquecido para poder invadir nossas terras! – Diz, voltando-se com o dedo em riste apontado para ele.
_ Isso não é verdade. Duvidas da nossa amizade? Nossas leis só permitem a guerra para a defesa. Ficamos de mãos atadas, alteza.
_ A amizade do seu reino é muito sincera, não? Todos sabem que o seu pai tem uma enorme estima pela coroa de Vespertínia...
Ao dizer essa última linha a atriz faz uma pausa. Atrás do palco um jovem vestido como membro do Conselho Real é avisado pelos companheiros “É a sua deixa! Entre no palco!”. Num sobressalto ele irrompe o palco da Companhia do Trevo e tropeça no longo vestido da jovem atriz, caindo como um saco de batatas aos seus pés. Após um breve silêncio o público explode em gargalhadas. O jovem ator se levanta com os olhos vidrados de quem acaba de destruir a primeira entrada do vilão da peça.

(Leonardo Baldez - Março de 2004)

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